Visite a Coluna do Cordel - CLIQUE AQUI!

Sejam muito bem vindos à Bahia
Na poesia iremos passear
A história que vamos reportar
Num contexto de fim da Monarquia
Quando nossa República surgia
Afligia o povo brasileiro
Quando sofria o sertão inteiro
Carecia o povo de utopia.
Eu cheguei com carisma e simpatia
Mui prazer: Sou Antônio Conselheiro.
Na capa do cordel sou eu barbudo
Sou magricelo, mas nada me abala
Eu sobrevivi a chuva de bala
Meu corpo funcionou como um escudo
Você que veio à nova Canudos
No semiárido sertão baiano
A cidade tem só quarenta anos
Mas estou passando pra te lembrar.
O meu sonho está mais acolá
O velho Belo Monte dos meus planos.
Você que vem fazer só excursão
Ou turismo para desparecer
Com certeza jamais vai esquecer
Vai lhe render boa reflexão
Nos sertões eu fiz peregrinação
Já plantei a semente da alegria
Neste chão um Brasil novo nascia
Eu preguei qual profeta do deserto.
Minha sociedade aqui deu certo
Fui Messias perto de quem sofria.
Na história oficial contada
Mostra só a versão dos vencedores
Do Estado covarde que impôs dores
À comunidade aqui instalada
Que vivia tão bem sem dever nada
A Santo Antônio pode perguntar
Monte Santo, Euclides e Uauá
Se quiser decifrar meu Belo Monte.
A história oral é nossa fonte
Motta viu tudo isto se passar.
Sertão é terra de homem valente
Seu Antônio Vicente Maciel
Na região provou jiló e fel
Como um cacto tornou-se resistente
Tão admirado por sua gente
De Jeremoabo a Juazeiro
Era respeitado o Conselheiro
Tal testemunho ouvi em Chorrochó.
Que as águas aqui do Cocorobó
São as lágrimas deste sertão inteiro.
O arraial fundado em Belo Monte
Em mil oitocentos e noventa e três
Incomodava aos homens das leis
Com o capital batia de fronte
Trazia ao sertanejo um horizonte
Desmonte do conceito capital
Era um modo de vida triunfal
Surreal num sertão explorador.
Aos coronéis faltavam o labor
Exigiam destruição total.
Belo Monte fazenda abandonada
Como tantas aí improdutiva
Virou sociedade alternativa
Numa ação muito bem coordenada
Imaginem se fosse copiada
Imitada em toda região
Ou quem sabe o modelo pra nação
A tal sociedade igualitária.
Sugerindo que a reforma agrária
Acabasse de vez a exploração.
A experiência bem sucedida
Belo Monte virou laboratório
Tal ensaio no mundo foi notório
No sertão um oásis nos deu vida
Um batalhão de gente excluída
Viu a terra prometida de fato
O boato saiu ali do mato
A sociedade que dava certo
Todo mundo queria ver de perto
Por amor ou por ódio ao beato.
Quem há de ser os heróis em Canudos
Os vinte e cincos mil pobres atacados
Ou os cinco mil soldados coitados
Enganados muitos morreram mudos
Tal massacre ordenados por graúdos
Pra Euclides foi uma covardia
Ver o exército que combatia
Diante daqueles pobres em pé.
Quem lutou nesta Canaã por fé
Virou alvo de forte artilharia.
Quatro batalhas sangrentas demais
Enfrentadas pelo pobre arraial
Três dessas ferem a honra nacional
Tal história não vai para os anais
Não é pra afrontar os generais
Mas o mal exemplo foi pra história
Essa mancha macula a trajetória
Foi questão de honra ter que vencer.
Exterminar todos e esconder
Foi varrer tudo pra contar vitória.
Arraial que juntou os excluídos
Índios e os povos pobres largados
Negros libertos e abandonados
Nordestinos nos sertões esquecidos
Conselheiro ouvindo tais gemidos
Confortou todos os desamparados
Belo Monte trás vida aos condenados
O viver deles passa a ter sentido.
Não havia opressor ou oprimido
Os progressos eram noticiados.
Essa guerra não tem razão de ser
Não foi republicana ou monarquista
Talvez receio de ser comunista
Essa ideia parece enlouquecer
O poder lutou pra tentar deter
O capitalismo sentiu o cheiro
Não reza nesta cruz nem no cruzeiro
O Exército vestiu-se pedagogo.
Sempre o RED ou RUBRO levou fogo
Mas sobrou o sonho de Conselheiro.
Fui o sonho dessa gente sofrida
Que o Brasil poderoso achou estranho
Reuni comigo grande rebanho
Aqui em Belo Monte dei guarida
Gente que nasce aqui é aguerrida
Tem na alma o poder libertário
É um povo valente e solidário
Seu sangue corre no leito do rio.
Vaza barris RED é desafio
É COCOROBÓ rubro esse aquário.
Com a visão de Conselheiro eu vejo
Mesmo submerso Canudos vive
Arqueólogo vira detetive
Pode andar nas ruas no lugarejo
Ver a igreja e sertanejo andejo
Decifrar o perfil da truculência
Só não vai achar traço de clemência
Do Estado que abandonou a fé.
Nordestino tem coco catolé
Qual coite simboliza resistência.
Se faltar água em Cocorobó
A verdade escondida aparece
A memória do povo não perece
Na identidade não se dá nó
Nessa escuridão vai bater o sol
A luz vai mostrar a barbaridade
Desse crime contra a humanidade
Que destruiu um povo e seu rosário.
Ache um termo fiel no dicionário
Que descreva o calvário da cidade.
Há cento e trinta anos do combate
Da expedição neste arraial
Trinta anos do parque estadual
A UNEB traz luz a este embate
Temos na romaria um debate
Realista e até documentário
Conselheiro está no imaginário
Lendário qual Moises e o mar vermelho.
Cocorobó reflete este espelho
Um milagre de cunho autoritário.
Vamos lá ver o alto das memórias
Gente que vence seca arrasadora
Nas imagens só gente vencedora
Cujas lutas mostram suas histórias
Cicatrizes de suas trajetórias
Tantas glórias de um sertão guerreiro
Belo Monte valente formigueiro
Verdadeiros heróis neste cenário.
A vergonha produziu este aquário
Que sacia o chão do Conselheiro.
Nosso sertão baiano irrigado
Com água, sangue e restos mortais
Faz sertanejo colher muito mais
Nos canais o líquido abençoado
Faz o profeta sempre ser lembrado
Que chegou peregrino e forasteiro
Mas prometeu milagre verdadeiro
Não tem mar, mas temos um balneário.
Na barragem nós temos um aquário
Que da vida ao sonho de Conselheiro.
Euclides da Cunha nos fez saber
Por meio de sua literatura
Quem leu “Os sertões” tem nova leitura
Hoje Euclides é nome de TV
Que informa tudo para você
Que o sangue sinônimo de paixão
Tantas vezes tingiu este sertão
Houve morte, vida e desespero.
Cocorobó ganhou esse tempero
E a nação faz esta degustação.
Do jeito como o gato enterra
O prudente demais autorizou
A chacina em Canudos enterrou
Sob o pretexto de irrigar a terra
Mas ainda hoje o bode berra
As margens do rio vaza-barris
Lembra a Matadeira e os fuzis
Alvejando o povo de Conselheiro.
Testemunhou um pé de umbuzeiro
Que assistiu a luta de dois brasis.
Foi pesadelo ou sonho enterrado
Esmagado e calado sem dó
Submerso está em Cocorobó
O vaza-barris tem testemunhado
E pra o oceano tem gritado
Onde Euclides da Cunha não chegou
Onde os “Sertões” não denunciou
Exumar vai revelar toda trama.
Dos mistérios escondidos na lama
Neste drama imprudente fracassou.
O tal Belo Monte está inundado
Vejo transformado num grande aquário
Cocorobó viu neste estuário
Toda selvageria do pecado
Tanta água ao sangue misturado
Que a barragem mostra outra tintura
Lá em baixo o peixe ver sepultura
Mas quem teme a Deus está de joelho.
Cocorobó tal aquário vermelho
Seja lá qual for a tua leitura.
Eu sai lá de Quixeramobim
Ceará no Nordeste brasileiro
Dei conselhos por isso sou Conselheiro
Tive em Belo Monte um triste fim
O mundo sempre lembrará de mim
Ajudar a todos eu me propunha
A qualquer injustiça eu me opunha
Tive um fim amargo que nem jiló.
O aquário rubro de COCOROBÓ
Será no mundo minha testemunha.